Tese faz reflexão sobre realidade social de cortadores de cana; professor passou dois meses morando numa favela onde registrou a difícil realidade de inúmeros trabalhadores.
O professor Antonio Donizeti Fernandes, 47, do Centro de Ciências Humanas e da Educação (CCHE), campus Jacarezinho, da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), defendeu Tese de doutorado intitulada "Da questão do trabalho 'fora do mundo do trabalho': canavieiros e a experiência social do sofrimento". A pesquisa foi apresentada em 4 de junho, na Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Marília (SP), junto ao Programa de Pós graduação em Ciências Sociais.
Natural de Ribeirão do Sul (SP), o professor leciona na faculdade de Jacarezinho desde 1993, período em que começou observar mais de perto a condição do trabalhador do corte de cana. Docente de Sociologia Geral e da Educação dos cursos de Pedagogia e Filosofia do CCHE, Donizeti salienta que a tese é fruto das reflexões ocorridas no mestrado intitulado: "Aventura do risco entre os trabalhadores do corte de cana".
A reflexão feita pelo professor extrapola o campo sociológico. Ele explica que a condição visível vivida pelos trabalhadores torna-se invisível, pois se apresenta como algo muito familiar. Numa dimensão mais filosófica, o autor retira das entrelinhas algo intangível aos olhos de quase todo passante: o sofrimento em sua dimensão social, isto é, fruto do poder político, econômico e institucional, bem como o que as pessoas fazem a si mesmas e experiências negativas ligadas a condições de vida, de trabalho, de moradia.
O professor, que passou dois meses morando numa favela do Norte do Paraná para a realização da tese, lembra que o desenvolvimento do estudo teve muitos contratempos desde o início. "A realização da pesquisa foi cheia de confusão desde a minha chegada à favela, à estada por dois meses. Eu que queria ficar seis meses, fui obrigado a sair por ameaças. No tempo em que estive lá, realizei visitas, entrevistas em diversas situações. Visitei trilhos da favela, bares, igrejas, casas das famílias, vielas do bairro, lugares, praticamente, tabu para as pessoas, em que o olhar não está para todos".
"Foi uma experiência ímpar em minha história. Aprendi muito com os trabalhadores", diz professor Donizeti
Em síntese, as 318 páginas da tese revelam um retrato do País, daquilo que, de tanto ser visto, se tornou invisível e tido como comum. O conteúdo, baseado em depoimentos, fotos, vídeos e histórias de vida, busca, dessa forma, aprofundar as raízes e sintetizar as referências humanas sobre níveis de realidade, revelando o homem ao homem, um Brasil de diversos Brasis. O pesquisador salienta que aqueles 60 dias foram muito enriquecedores para sua vida. "Foi uma experiência ímpar em minha história. Aprendi muito com os trabalhadores".
Sobre o porquê da pesquisa, que teve como orientadora a professora-doutora Christina de Rezende Rubim, comenta: "Minha intenção foi mostrar a realidade desse trabalhador. Andava com uma filmadora. Identificava-me como professor-pesquisador da Universidade e que estava lá para realizar um estudo sobre o cortador de cana, a sua condição de vida fora do trabalho". O professor acrescenta que "Isso me fez compreender que não conhecemos ainda a nossa realidade. O cotidiano nos pega pela rotina e não compreendemos a dimensão do que está a nossa volta. E o caminho é de mão dupla. Muitas pessoas lá não têm ideia do que seja a universidade ou para que serve".
Donizeti conta que a investigação realizada é uma interpretação da interpretação: "Busquei caminhos para entender como eles veem essa situação, como é morar na favela sendo morador da favela", instiga. A tese está disponível na biblioteca do CCHE (campus Jacarezinho) e da UNESP (Marília) e no endereço eletrônico http://www.athena.biblioteca.unesp.br no próximo mês. O diretor do CCHE, professor-doutor Antonio Carlos de Souza, docentes, discentes e servidores do Centro parabenizam o doutor Donizeti pela coragem de propor tal discussão, elaboração e defesa de temática relevante, tanto acadêmica quanto social.