“O que propõe pensar o Dia da Consciência Negra é algo que fora tirado desse homem negro: a sua própria negritude. Isso aconteceu durante o processo de desafricanização do Brasil. O Estado desenvolveu políticas de “limpeza” étnico-racial, mesmo que não confessadamente”, diz o professor. Ele explica que essas políticas podem ser constatadas, por exemplo, em códigos de condutas para cassação do Candomblé e seus ritos religiosos e a Capoeira, que são instituições que estão no Brasil desde o século 17. “Há uma intolerância, do ponto de vista religioso, em aceitar o que seriam práticas ‘selvagens’, devido ao modelo europeu imposto. No Brasil, foi proposto um processo civilizatório, no sentido de diminuir ou tornar mais palatável as cenas onde os negros se apresentavam”, expõe.
Donizete frisa que a inserção do negro é aceita em espaços tidos do folclore, festas, carnaval e capoeira, mas que outros espaços, como a universidade ou em atividades de maior visibilidade, de melhor posição social, não acontece naturalmente e com representatividade. “Democracia racial é um mito vivido que se repete a todo instante dizendo que somos um País mestiço, maravilhoso, e que não tem racismo e nem conflito étnico-racial, mas no dia a dia, quando lidamos com essas relações de poder e de ocupação de espaço, que são interditados para o homem negro, a democracia não está posta”, constata. Ele reflete também que “quando pensamos no povo brasileiro, por meio desse requentamento das ideias passadas, notamos que há uma identificação maior com o branco europeu do que com o negro africano e isso faz com que nos esqueçamos da nossa condição”.
Ainda sobre esse aspecto, o professor pontua que é preciso se pensar em como lidar com a questão da educação, pois, em aspectos gerais, todos começariam de maneira igual no ensino infantil e fundamental, entretanto, do nível médio à universidade, perde-se a representatividade da mulher e do homem negros. “O número de estudantes negros nas universidades é ínfimo, mesmo em cursos de licenciaturas que socialmente são menos prestigiados”, menciona o professor, destacando o sistema de cotas como algo positivo no sentido de se buscar reparar, mesmo que de maneira insuficiente, o passado.
“A cota para negros na universidade é uma maneira de garantir uma disputa nesse universo que não tem a representação do homem e da mulher negros. Política pública, nesse aspecto, é algo que deveria ter sido feito no período da abolição e não aconteceu. Nós não tivemos nenhuma política que garantisse ao homem negro uma melhor condição na sua saída do processo de escravidão no final do século 19. O que nós vemos até os dias de hoje são os efeitos do passado”, salienta Donizete.
O professor lembra que as cotas raciais têm proporcionado um debate no Brasil pelo conservadorismo muito grande presente no País que passa pela ideia de que não foi garantido ao homem branco situações de privilégio como para o homem negro. “Aí fica a questão de debater até que ponto é privilégio entrar por cotas raciais na universidade? Não é uma questão de privilégio, é questão de acesso. É pensar que o rapaz ou a menina vai disputar entre seus pares, mas as pessoas não entendem muito bem isso”, observa.
“Dizer que quem entra por cotas não tem condição de conseguir a vaga por meio normal do vestibular é um mito. Isso já é uma maneira de menosprezo. Acredito que devemos tratar diferente aqueles que se encontram em diferença, do ponto de vista da desigualdade social do País. Entrando por cotas, o candidato terá a chance de entender quem ele é, assumir seu papel e sua identidade”. Donizete informa que os estudos que vem sendo realizados pela Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que são instituições pioneiras na implantação das cotas, mostra que o menino e a menina negros não têm distinção nenhuma na hora de sua própria produção, em comparação com aqueles que entraram sem o sistema de cotas. “Cotas, eu vejo como algo positivo. É pouco, mas já é alguma coisa”, finaliza.